O rosto de Zlatý kůň, o ser humano moderno mais antigo a ser sequenciado geneticamente

Os pesquisadores criaram uma aproximação facial de um indivíduo de 45,000 anos de idade, que se acredita ser o humano anatomicamente moderno mais antigo a ser sequenciado geneticamente.

Em 1950, nas profundezas de um sistema de cavernas localizado na República Tcheca, os arqueólogos fizeram uma descoberta intrigante. O que eles desenterraram foi um crânio cuidadosamente cortado, revelando uma história notável. Inicialmente, assumiu-se que esses restos esqueléticos pertenciam a dois indivíduos distintos devido ao estado dividido do crânio. No entanto, depois de décadas, os pesquisadores embarcaram no sequenciamento do genoma, levando a um resultado surpreendente. Ao contrário das crenças iniciais, este crânio solitário na verdade pertencia a uma alma solitária; uma mulher que existiu há cerca de 45,000 anos.

Uma aproximação facial da mulher Zlatý kůň oferece um vislumbre de como ela poderia ter sido há 45,000 anos.
Uma aproximação facial da mulher Zlatý kůň oferece um vislumbre de como ela poderia ter sido há 45,000 anos. Cícero Moraes / Uso Justo

Os pesquisadores a chamaram de mulher Zlatý kůň, ou “cavalo de ouro” em tcheco, em referência a uma colina acima do sistema de cavernas. Uma análise mais aprofundada de seu DNA revelou que ela genoma carregava cerca de 3% de ascendência Neandertal, que ela fazia parte de uma população dos primeiros humanos modernos que provavelmente acasalou com os neandertais e que seu genoma era o genoma humano moderno mais antigo a ser sequenciado.

Embora muito tenha sido aprendido sobre a genética da mulher, pouco se sabe sobre como ela pode ter sido. Mas agora, um novo papel online publicado em 18 de julho oferece uma nova visão sobre sua possível aparência na forma de uma aproximação facial.

Para criar a semelhança da mulher, os pesquisadores usaram dados coletados de várias tomografias computadorizadas (TC) existentes de seu crânio que fazem parte de um banco de dados online. No entanto, como os arqueólogos que desenterraram seus restos mortais há mais de 70 anos, eles descobriram que faltavam pedaços do crânio, incluindo uma grande parte do lado esquerdo de seu rosto.

Segundo o coautor do estudo, Cícero Moraes, especialista em gráficos brasileiro, “Uma informação interessante sobre o crânio é que ele foi roído por um animal após sua morte, esse animal poderia ter sido um lobo ou uma hiena ( ambos estavam presentes na fauna naquela época).

Para substituir as partes que faltam, Moraes e sua equipe utilizaram dados estatísticos compilados em 2018 por pesquisadores que criaram uma reconstrução do crânio. Eles também consultaram duas tomografias – de uma mulher e um homem modernos – enquanto criavam o rosto digital.

“O que mais chamou a atenção foi a robustez da estrutura da face, principalmente da mandíbula inferior”, disse Moraes. “Quando os arqueólogos encontraram o crânio, os primeiros especialistas que o analisaram pensaram que era um homem e é fácil entender o porquê. Além do crânio ter características muito compatíveis com o sexo masculino das populações atuais”, que incluíam uma mandíbula “robusta”.

“Vemos que a estrutura da mandíbula de Zlatý kůň tende a ser mais compatível com os neandertais”, acrescentou.

Um maxilar forte não foi a única característica que chamou a atenção dos pesquisadores. Eles também descobriram que o volume endocraniano da mulher, a cavidade onde fica o cérebro, era maior do que o dos indivíduos modernos no banco de dados. No entanto, Moraes atribui esse fator a “uma afinidade estrutural maior entre Zlatý kůň e os neandertais do que entre ela e os humanos modernos”, disse ele.

Uma versão em preto e branco da aproximação facial.
Uma versão em preto e branco da aproximação facial. Cícero Moraes

“Depois que tínhamos o rosto básico, geramos imagens mais objetivas e científicas, sem colorir (em tons de cinza), com os olhos fechados e sem cabelo”, disse Moraes. “Depois, criamos uma versão especulativa com pele pigmentada, olhos abertos, pelos e cabelos. O objetivo do segundo é proporcionar uma face mais compreensível para a população em geral.”

O resultado é uma imagem realista de uma mulher com cabelos escuros e cacheados e olhos castanhos.

“Buscamos elementos que pudessem compor a estrutura visual do rosto apenas em nível especulativo, já que não havia dados sobre qual seria a cor da pele, cabelos e olhos”, disse Moraes.

Cosimo Posth, um arqueólogo que estudou extensivamente Zlatý kůň, mas não esteve envolvido no estudo, confirmou que muito sobre esta mulher permanece um mistério.

“Os dados genéticos de Zlatý kůň em que trabalhei não podem nos dizer muito sobre suas características faciais. Na minha opinião, os dados morfológicos podem fornecer uma ideia razoável de qual seria o formato de sua cabeça e rosto, mas não uma representação precisa de seus tecidos moles”, disse Posth, professor de arqueologia da Universidade de Tübingen, na Alemanha.